Um Relatório do Banco Mundial de 2021 calcula que 216 milhões de pessoas sejam obrigadas a migrar nos próximos anos por razões climáticas e a Organização Internacional das Migrações (OIM) das Nações Unidas estima que, até 2050, haverá 200 milhões de refugiados ambientais em todo o mundo.
As alterações climáticas vão provocar enormes migrações e a ajuda da Europa será crucial na adaptação climática dos países em que elas vão ocorrer. A própria União Europeia ganhará com a economia verde nestes países, internacionalizando as suas empresas e alargando a base da sua influência geoestratégica. “A maior influência da Europa, para além de essencial na resposta global às alterações climáticas, é estratégica na defesa de democracias vulneráveis a autocracias”, afirma Duarte Costa, especialista em ação climática.
Neste sentido, embaixadores do Pacto Climático Europeu em Portugal defendem mecanismos para a União Europeia (UE) ter um papel decisivo no apoio aos países em desenvolvimento mais afetados pelas alterações climáticas e, assim, evitar a fuga de cérebros e perdas demográficas essenciais em resultado de eventos climáticos extremos mais frequentes e impactantes.
“Para além do seu próprio esforço na redução de emissões, a União Europeia tem de criar mecanismos para facilitar a sua articulação com as economias destes países, gerando negócios baseados na sustentabilidade e na transição climática que criem riqueza, tanto na Europa como nestes países parceiros”, afirma Duarte Costa, especialista em ação climática. “Se a Europa tiver disponibilidade para antecipar estes apoios antes do agravamento da emergência climática, não só evitará vagas de imigração acima da capacidade europeia de regularização e processamento de migrantes, como será um fator chave para o desenvolvimento e para a adaptação climática nesses países”, revela Duarte Costa.
Cecília Delgado, investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova e embaixadora do Pacto Climático Europeu, considera por seu lado que, “se não houver uma estratégia imediata de coerência entre os valores defendidos pela União Europeia e as práticas relativamente aos países pobres que enfrentam alterações climáticas, a fome irá provocar uma migração massiva para países onde a abundância alimentar e a expectativa de um futuro melhor oferece uma segunda oportunidade aos refugiados climáticos”.
Cecília Delgado recorda que as alterações climáticas se materializam em eventos climáticos extremos, desde secas a inundações, de escassez de água a temperaturas elevadas. “Neste contexto de crise climática agudizam-se as desigualdades, a pobreza extrema e a insegurança alimentar”, afirma a investigadora da Universidade Nova. “Por outro lado, criam-se desequilíbrios nos ecossistemas, que exacerbam a disputa pelos recursos naturais, como a água ou o acesso a terra fértil e irrigada”. Nestas condições, “aumentam os custos dos produtos alimentares, a escassez de produtos frescos e nutritivos e a fome”, conclui a embaixadora.
PAINEL ORGANIZADO PELA ASSOCIAÇÃO ZERO NO FESTIVAL TODOS
O Pacto Climático Europeu – uma iniciativa do Pacto Ecológico Europeu promovida pela União Europeia – é coordenado em Portugal pela associação ambientalista ZERO, responsável pela organização deste painel no Festival TODOS. Para além de Duarte Costa e de Cecília Delgado, irão intervir neste painel dedicado aos refugiados ambientais Rita Prates, da ZERO, e a jornalista Diana Neves, também ela embaixadora do Pacto, que conduzirá o debate.
Segundo Duarte Costa, para além de beneficiar as comunidades de outros continentes, a própria Europa ganhará com o apoio à ação climática noutras geografias. “A transição energética e a nova economia verde nos países em desenvolvimento têm um enorme potencial económico do qual a União Europeia poderá beneficiar”, afirma. Esta economia irá gerar oportunidades de investimento e de mercado para empresas europeias onde as diásporas destes países na Europa desempenham um papel chave.
Ao organizar o painel, a associação ambientalista ZERO procurou associar-lhe histórias pessoais de oriundos de comunidades que já sofreram os dramas climáticos na pele e que atualmente residem em Portugal. Será o caso de Farid Ahmed Patwary, jornalista do Bangladesh muito atento aos efeitos dos desastres naturais, alterações climáticas e migrações, que também intervirá no painel. Os habitantes da ilha de Bhola, no Bangladesh, que criou meio milhão de migrantes em 1995 devido ao aumento do nível do mar, são habitualmente referidos como a primeira vaga de refugiados climáticos da história da humanidade.
“O painel ‘Fronteiras Invisíveis: Migrações Traçadas pelo Clima’ visa esclarecer uma consequência muitas vezes escondida das alterações climáticas: os impactos socioeconómicos e os eventos climáticos extremos, que levam comunidades inteiras a migrar”, afirma Rita Prates, da ZERO. Acrescentando, “é fundamental reduzir as emissões de gases com efeito de estufa para atenuar, ao máximo, o efeito das alterações climáticas e evitar que muitas regiões do globo se tornem inabitáveis”. Segundo a responsável da ZERO, “precisamos de apoiar os países mais afetados e ativar mecanismos de mitigação e de adaptação, como é proposto pelo Fundo Verde para o Clima e o Fundo de Perdas e Danos aprovado recentemente na COP28”.
As migrações provocadas pelas alterações climáticas representam um dos maiores desafios do nosso tempo, com milhões de pessoas a serem forçadas a abandonar as suas terras nos próximos anos. A União Europeia tem um papel crucial na resposta global, não só através da redução das suas emissões, mas também no apoio aos países mais vulneráveis, promovendo uma transição energética sustentável que beneficie tanto a Europa como as regiões afetadas. A criação de novas oportunidades económicas e a antecipação de mecanismos de adaptação serão fundamentais para mitigar as crises migratórias e construir um futuro mais resiliente e justo para todos.