O combate às alterações climáticas também se faz no combate à desinformação que continua a querer destruir os direitos ambientais e sociais

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As alterações climáticas são o maior desafio social, económico e ambiental com o qual os cidadãos, governos e territórios irão confrontar no presente e futuro. Contudo, o seu reconhecimento enquanto problemática que atinge todas as escalas, compartimentos ambientais e biodiversidade, não é ainda totalmente percepcionado pelos cidadãos, decisores políticos do Poder Local e empresas. Parte deste problema surge do intenso bombardeamento de desinformação, fake news e outros esquemas de greenwashing que atinge as redes sociais, comunicação social, campanhas políticas (e económicas), livros e artigos, entre outros. Nesta matéria, a WWF divulgou na sua plataforma digital os 10 mitos que têm sido disseminados em massa na comunicação social e redes sociais em relação à teoria e evidência das alterações climáticas. É necessário distinguir a ficção dos factos!

Apesar da inclusão desta problemática nas agendas políticas mundiais, como é exemplo o Acordo de Paris, o último relatório “Global Risks Report” de 2022 do próprio Fórum Económico Mundial identificou as falhas nas respostas à crise climática como o risco mais severo à escala global na próxima década, elencando igualmente a curto-prazo as principais preocupações como as divisões e confrontos sociais, crises de subsistência e a deterioração da saúde mental.

O 6.º Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) reafirmou em 2021 que “(…) é inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Ocorreram mudanças amplas e rápidas (…)”, sendo que o aumento da temperatura média global da superfície terrestre tenha sido estimado em cerca de 1,1 °C em relação ao período de 1850 a 1900. Estas evidências poderão intensificar-se durante o séc. XXI, com os cenários a apontarem para projecções de aumento de temperatura entre 1,0 a 5,7 °C para o período de 2081-2100 relativamente a 1850-1900. Estes aumentos terão consequências gravosas e mais cedo do que o inicialmente esperado, pelo que a redução urgente das emissões de GEE (Gases com Efeito de Estufa) para a atmosfera tem de ser acelerada nas cidades, transportes e actividades económicas.

As acções antropogénicas já afectam diariamente todas a regiões e continentes, tendo-se vindo a registar eventos extremos mais frequentes e mais intensos, tais como as ondas de calor, precipitações extremas, secas severas, inundações, tempestades e incêndios, mas também um maior risco de propagação de doenças e pragas, epidemias e pandemias – evidências de que a crise climática é já uma realidade. Neste contexto, o País e as cidades têm adoptado estratégias e medidas de adaptação às alterações climáticas (Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas 2025, Estratégias Municipais de Adaptação às Alterações Climáticas), atendendo que a severidade destes fenómenos, e respectivos efeitos associados, serão potenciados em espaços urbanos e regiões em que a capacidade de adaptação seja reduzida e em que as políticas públicas locais sejam inexistentes neste campo. Inevitavelmente, é urgente que as cidades e as regiões estejam preparadas para implementar medidas de mitigação e soluções de adaptação em diversos sectores da sociedade e economia, nomeadamente na agricultura, biodiversidade, energia e segurança energética, florestas, saúde humana, segurança de pessoas e bens, transportes, comunicações e zonas costeiras.

Todavia, a conjuntura internacional neste momento, após 2 anos de combate à pandemia SARS-COV-2, está a colocar em sério risco o cumprimento dos compromissos internacionais acordados em matéria climática e energética ao nível da União Europeia e das Nações Unidas. O recente Plano Europeu aprovado, designado por “REPowerEU”,fará um investimento adicional de 210 bilhões de euros ao Fundo de Recuperação e de Resiliência para acelerar a independência energética no espaço europeu, em resultado das sanções à Rússia e da reconfiguração geopolítica em relação à segurança e diversificação do aprovisionamento energético. Novas metas ambiciosas foram estabelecidas ao abrigo deste Plano Europeu para aumentar a quota de renováveis em pelo menos 45% até 2030, com o horizonte da neutralidade carbónica até 2050. No entanto, as metas, medidas e esforços em matéria climática para a redução das emissões de GEE estarão mais distantes de serem cumpridas, apesar do forte investimento em fontes de energia renovável, devido à reactivação e aumento de actividade das centrais a carvão na Europa face à redução da importação de gás fóssil russo, bem como ao transporte de longa distância de gás e petróleo a partir de outras regiões, como dos EUA, que aumentarão a pegada carbónica.

Neste panorama nacional e internacional, as cidades, as Autarquias e os seus decisores políticos devem encontrar urgentemente os meios e as ferramentas necessárias para a implementação de soluções de adaptação baseadas no conhecimento técnico-científico e em boas práticas. Neste sentido surge o papel relevante da Educação Ambiental para a Sustentabilidade, que permite melhorar o nível de conhecimento local sobre as alterações climáticas e promover a integração da mitigação e adaptação às alterações climáticas nas políticas sectoriais e instrumentos de planeamento territorial através de uma participação activa e cidadã da sociedade civil – só assim teremos municípios descarbonizados e resilientes, onde os cidadãos terão acesso a energia segura, sustentável, acessível e renovável, bem como à fruição de um ambiente mais sadio e público acessível a todos e a todas.

O aumento da resiliência dos territórios urbanos e a redução dos impactes significativos sobre os sistemas naturais, sociais e económicos só será possível se houver uma gestão sustentável dos riscos e uma transição socialmente justa, em que todos os cidadãos tenham e sejam uma voz activa na proposta, análise, discussão, monitorização e avaliação das políticas públicas locais. Neste campo, a ASPEA tem vindo a desenvolver e a fortalecer a rede MAPeAR – Rede Educativa de Mapeamento Colaborativo da Qualidade do Ar Ambiente. Esta Rede integra cerca de 50 escolas portuguesas que desenvolvem todos os anos uma campanha de monitorização fixa e móvel de partículas PM10 e PM2,5, participando e exercendo ao mesmo tempo os diversos instrumentos de democracia participativa na influência à formulação de políticas públicas locais em qualidade do ar ambiente.

A Rede MAPeAR ambiciona introduzir metodologias de investigação-acção nas comunidades educativas, em temáticas ambientais menos desenvolvidas nas escolas, nomeadamente a qualidade do ar ambiente e os seus efeitos na saúde humana e, deste modo, incentivar à participação activa no quotidiano das comunidades e cidades em que as escolas se inserem – trata-se de enraizar a “aprendizagem fora de portas” através do recurso às novas tecnologias ao dispor da ciência cidadã. E porque é necessário distinguir a ficção dos factos, a literacia socioambiental em qualidade do ar ambiente urbano é potenciada através desta Rede na experimentação e o exercício da cidadania activa e ciência cidadã, enquanto factores fundamentais para o combate à desinformação, fake news e aos mitos sobre as alterações climáticas. Vem conhecer a Rede MAPeAR aqui.

David Ramos Silva, Vice-Presidente da ASPEA,

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.

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