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Educação Ambiental: das palavras ao compromisso político

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Este espaço de opinião reflete o que tem sido a minha experiência pessoal enquanto educador ambiental, mas também o trabalho de investigação que venho desenvolvendo sobre estratégias de participação social e Educação Ambiental, cruzando com as funções que tenho desempenhado nos últimos anos enquanto presidente da Associação Portuguesa de Educação Ambiental. Nesta reflexão lanço alguns desafios tendo em conta a necessidade de compromissos coletivos para uma sociedade civil organizada que precisa estar mais presente no debate e nos processos de tomada de decisão política para as questões relacionadas com a Educação Ambiental, em particular nas políticas locais.

A Educação Ambiental é, mais que nunca, importante e necessária, tanto pelo contexto atual, ao atravessarmos um período pandémico da Covid-19 como, também, pelas crises ambiental e humanitária que enfrentamos, crises estas que acentuam as desigualdades sociais, o aumento da pobreza e dos grupos invisíveis.

O papel social e político da Educação Ambiental toma grande relevância nos tempos pós confinamento e nos tempos que as crises climática e humanitária nos acompanharão nas áreas social, ambiental e económica, para o enfrentamento dos próximos tempos. É importante pensarmos nos desafios que temos pela frente em cada área de trabalho, em cada projeto, tendo em conta os constrangimentos, mas também os desafios resultantes destas crises.

Várias conferências das Nações Unidas e várias datas que todos nós conhecemos têm vindo a servir de alerta para os perigos que a sociedade enfrenta, por negligenciarmos a tarefa de cuidar do planeta em que vivemos.

No âmbito do dia internacional da Terra, que se celebra desde 22 de abril de 1970, vem-se alertando que o planeta está em risco, sendo que os ecossistemas enfrentam graves ameaças e que os povos de todo o mundo dependem deles para a sua sobrevivência. O tema do Dia da Terra 2022 incita toda a sociedade e os atores políticos, em particular, a investir no Nosso Planeta, sendo este o momento de “mudar o clima de negócios, o clima político e como agimos em relação ao clima. Agora é a hora da coragem imparável para preservar e proteger nossa saúde, as nossas famílias, os nossos meios de subsistência… juntos devemos investir no nosso planeta.”

Os problemas que afetam a biodiversidade e o clima mundial passam por respostas políticas que conduzam a compromissos coletivos, sendo a informação e formação conducentes a atitudes e comportamentos ambientalmente responsáveis uma das ferramentas mais relevantes. Os recursos informativos e educativos devem ser tornados acessíveis importando, assim, estimular toda a sociedade ao seu acesso e uso; as políticas locais, nacionais e europeias devem ser capazes de implementar as soluções necessárias para responder às diferentes crises que o Planeta atravessa. Formar cidadãos ativos, sensíveis, conscientes, detentores de capacidade crítica é, assim, o caminho que urge percorrer.

Estamos, portanto, num momento muito importante para consertarmos e concentrarmos atenções na defesa do Planeta e, consequentemente, da nossa sobrevivência. Já não se trata de trabalharmos para as gerações vindouras, mas da urgência de deixarmos as palavras e passarmos à ação política trabalhando com e para as gerações do presente. Os discursos de retórica que alertam para a importância de deixarmos algo para as gerações vindouras é um discurso esgotado. Precisamos considerar e falar nas gerações presentes, temos de concertar a responsabilidade individual com os compromissos coletivos para trabalhar e atuar com as gerações presentes. Daí, também, o papel importante das redes e dos grupos da sociedade civil organizados, dos educadores ambientais, da comunidade docente e científica, dos técnicos de municípios que trabalham em Educação Ambiental.

É importante trazermos os jovens, trazermos as gerações do presente para o debate e para a construção de políticas públicas que, sendo implementadas no presente, precisam ser apropriadas por quem irá ter de as considerar com as gerações futuras.

As políticas globais, nacionais e locais, em particular, devem ser capazes de aumentar as soluções necessárias para enfrentar as crises que vivemos, políticas capazes de formarem cidadãos ativos, sensíveis, conscientes, detentores de capacidade crítica. Neste momento em que passámos por períodos de isolamento precisamos, também, de repensar as formas de mantermos uma aproximação entre as pessoas e a natureza. É assim este o caminho que urge percorrer; todos nós somos chamados a intervir nos processos de decisão política, em especial à escala local e também precisamos de trabalhar e mobilizar as nossas comunidades para as causas eco sociais.

Temos que considerar que não é um percurso fácil, não é um percurso que nós consideremos que sabemos até onde vai e o estará para acontecer. Estamos num momento de incertezas e todos nós temos que estar preparados para trabalhar e atuar em conjunto, criando sinergias para ultrapassar os desafios que termos pela frente em cada área de trabalho, em cada organização, tendo em conta os projetos educativo-ambientais pensados com as comunidades locais; e, como atrás referido, temos que olhar para os constrangimentos, mas também para os desafios que resultam desta crise pandémica e ambiental.

Acredito que a Carta da Terra pode ajudar-nos, nos tempos difíceis que se aproximam, a definir caminhos em torno da gestão da nossa casa comum com responsabilidade ambiental e justiça social. Devemos, pois, congregar forças para gerar uma sociedade global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça económica e numa cultura de paz. Para chegar a este propósito consideramos ser imperativo que todos nós possamos avançar para compromissos coletivos, suportados pela responsabilidade individual numa perspetiva de construção de sociedades ambientalmente responsáveis e socialmente justas.

Como enfatiza a Carta da Terra no seu preâmbulo: “Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre numa casa comum e com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça económica e numa cultura da paz.”

Considero que chegou a altura de pensar e atuar “em” e “no” coletivo para os bens comuns. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, paradigmas e modos de vida, suportados por políticas de Educação Ambiental e participação social de proximidade com os cidadãos, em especial, reconhecendo o potencial educativo dos processos participativos nas políticas locais.

Temos conhecimento científico produzido e tecnologias necessárias para abastecer todas as pessoas, em particular, e a sociedade, em geral, reduzindo o impacte ambiental sobre a biodiversidade e sobre o Planeta. Precisamos do ressurgimento de uma sociedade civil global, mobilizada para ajudar a criar novas oportunidades na construção de um mundo melhor – mais democrático e humano – no respeito pelos valores fundamentais e justiça ambiental, em que nenhuma pessoa ou grupo deverá estar sujeito à exclusão, à fome ou à indiferença, de maneira desproporcional, em resultado de determinadas políticas que ameaçam os seus direitos, liberdades e garantias, ou em resultado de crises ambientais ou crises pandémicas, como estamos a viver no momento.

Neste contexto os atores que atuam no campo da Educação Ambiental são essenciais para o processo educativo que possa contribuir para preparar as pessoas com o conhecimento necessário, valores éticos e corresponsabilidade social, caso contrário as respostas e políticas individualistas “cegas” levarão ao acentuar dos problemas ambientais, da crise humanitária e das desigualdades sociais. É responsabilidade de toda a sociedade desenvolver mecanismos para que mais pessoas assumam mudanças nos padrões de consumo e comportamento ambientalmente responsável, assentes em políticas públicas que tenham em conta os limites ecológicos do Planeta.

Precisamos de políticas e medidas de responsabilidade individual e compromissos coletivos que conduzam a programas socioeducativos que estabeleçam uma cultura de eco cidadania e que parem com as medidas como apelidamos de cimento e alcatrão, medidas de destruição dos espaços verdes em áreas urbanas; precisamos acelerar medidas de valorização das pessoas, de erradicação da pobreza, de combate à exclusão social, de criação de mais e maiores espaços verdes, onde se possa privilegiar a convivência intergeracional, do aumento das vias de mobilidade suave, ou de transportes públicos que respondam a todas as necessidades da comunidade.

Por uma comunidade educativa comprometida com as políticas ambientais

Se a educação tem como finalidade contribuir para o exercício da cidadania e para o espírito crítico dos cidadãos, dando-lhes a possibilidade de melhorarem a sua qualidade de vida, é importante que os currículos e programas educativos se enquadrem em marcos estratégicos integrais devendo contemplar a dimensão educativo-ambiental como um dos seus principais eixos transversais.

“A melhoria da qualidade de vida de uma comunidade depende tanto da restauração das capacidades sociais, económicas, políticas e culturais para potencializar o desenvolvimento endógeno, como da compreensão e do manejo das possibilidades e dos limites que estabelece o ambiente para garantir a satisfação adequada das necessidades básicas a médio e longo prazo” (Pablo M. Cartea, 2000).

De acordo com Caride e Meira (2004), para conseguirmos uma “formação integral e contínua de todas as pessoas, dando a cada uma delas a oportunidade de participarem ativamente e de forma plena num projeto de sociedade” é necessário uma “educação capaz de suscitar mudanças nas mentalidades, atitudes, saberes, condutas, etc., que desafie pessoas e comunidades na exigência de harmonizar o seu «mundo vivido» com as modificações científicas, tecnológicas, económicas, culturais, ambientais, etc., nas quais se expressa a modernidade tardia ou avançada – segundo o olhar mais ou menos crítico – com todas as suas variantes pós-modernas, incluindo o «mundo por viver».”

Neste contexto enquadrado por “compromissos explícitos com a integridade dos sistemas ecológicos e construção de um mundo mais justo, ético e com harmonia, situa-se a educação ambiental como proposta e resposta educativa para um desenvolvimento que prevê um presente/futuro sustentável; (…)”. “A educação ambiental, cremos, é uma oportunidade – entre outras – para que seja exequível assentar a educação e a sociedade sobre novas bases filosóficas, epistemológicas e antropológicas: criadora e impulsionadora de novos pontos de vista e estratégias no diálogo educação-ambiente, inspiradora de novos conteúdos e métodos pedagógicos, geradora de iniciativas solidárias e de responsabilidades partilhadas, promotora de coesão e integração social, garante de direitos e liberdades cívicas, possibilitando uma ética ecológica biocêntrica, etc.” (Caride e Meira, 2004).

Desta forma a escola é um lugar privilegiado onde se pode promover e experimentar projetos e programas que tenham, em si mesmo, um extraordinário valor educativo para intervir nas políticas locais de acordo com os princípios de corresponsabilização para sociedades ambientalmente responsáveis e socialmente justas, proporcionando aos jovens o seu envolvimento nos processos de decisão. Para tal as escolas têm ferramentas ao seu dispor para suportar os seus projetos em documentos orientadores como o Referencial de Educação Ambiental para a Sustentabilidade, Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e a Estratégia Nacional de Educação Ambiental.

A implicação dos órgãos de gestão das escolas tem especial relevância neste processo que deve levar a repensar a filosofia ambiental da Escola, assumindo compromissos, através de linhas orientadoras no projeto educativo, de forma a tornar possíveis as melhores soluções socioambientais no contexto escolar e na comunidade, em primeiro lugar pelo papel que desenvolvem a nível do conhecimento e compreensão da realidade e, por outro lado, porque a comunidade educativa constitui um modelo simplificado de sociedade no qual é possível avaliar processos e soluções em pequena escala.

Entender os processos participativos como processos educativos perante a problemática socioambiental obriga-nos a trabalhar os aspetos do processo e não para os fins. Nesta perspetiva, mais do que as leis ou imposições, são importantes novas formas de gestão democrática, as quais devem incluir a Educação Ambiental como potenciadora de uma nova consciência crítica e emancipadora por parte dos cidadãos.

Nas estratégias locais de sustentabilidade, todo o processo participativo deverá ser entendido como um processo socioeducativo. É outra forma de educar para um novo paradigma de participação social e de decisão democrática. (Ramos Pinto, J. e Meira Cartea, P.; 2004)

Joaquim Ramos Pinto

Presidente da Direção Nacional | ASPEA

Nota: os artigos publicados na secção opinião são da inteira responsabilidade dos seus autores.