O Vapor no desenvolvimento social humano

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Nos dias de hoje, quando ouvimos o locutor na TV falar em tecnologia, podemos apostar que estará a falar em computadores, telemóveis, etc…, isto é, tecnologias de processamento de dados ou comunicação, ou seja, as chamadas TIC.

Mas, tudo o que hoje o cidadão comum associa à palavra tecnologia e toda a parafernália de dispositivos que hoje descuidadamente utilizamos, não teria visto a luz do dia se algures nos finais do XVIII não tivesse ocorrido uma Revolução Industrial, nem essa revolução teria tido êxito e dado lugar à relação homem-máquina que hoje conhecemos se não tivéssemos tido acesso ao uso da energia sob a forma de vapor, isto é, ao desenvolvimento das Caldeiras e dos Sistemas de Utilização do Vapor.

O caminho do desenvolvimento das Caldeiras, dos Sistemas de Vapor e do conhecimento da física e engenharia inerentes foi longo. Às primeiras e mais rudimentares soluções construtivas do princípio do seculo XVIII como a “Haystach boiler”, uma autêntica “panela ao lume”, seguiram-se a “Cornish boiler” e a “Lancashir boiler” já com tubos de fogo, até surgir a primeira caldeira independente do meio exterior, a “Scotch boiler”, precursora das atuais caldeiras Gastubulares, e com que foram equipados os primeiros navios de propulsão mecânica, que adquiriram por isso o sugestivo nome de “Vapores”.

Das primeiras caldeiras industriais Aquatubulares, o icónico modelo “WIF” do construtor americano Babcock & Wilcox é porventura o melhor exemplo. O grande salto ocorreu em 1924/25 quando a Babcock & Wilcox projeta e coloca em serviço uma caldeira produzindo cerca de 65 T/h de vapor a 84 bar sobreaquecido a 371 ºC, cerca de 55 MWt.

Mas e qual a importância das fontes de energia?

Pode dizer-se que até finais do seculo XIX, todas as caldeiras utilizavam combustíveis sólidos, por vezes a madeira, mas principalmente o carvão mineral. A partir do início do século passado, a exploração do petróleo e o crescente acesso à utilização dos motores e outros dispositivos elétricos permitiu avanços tecnológicos muito significativos destas máquinas, já que um combustível líquido oferecia outras facilidades de armazenagem, de movimentação e controlo, permitindo uma evolução progressiva para o conceito de Caldeira automática e, até determinadas potências, para o conceito “Packaged boiler”, isto é, caldeira pronta de fábrica.

Finalmente, após a Segunda Guerra Mundial o Carvão foi progressivamente substituído pelo Fuelóleo nas caldeiras industriais, a exploração e transporte de Gás Natural por gasoduto teve a sua expansão em Portugal, cerca de 50 anos mais tarde, e este último combustível veio permitir o projeto de caldeiras com ainda melhores condições de operação, impacto ambiental e eficiência energética.

Também na sequência da Segunda Guerra Mundial, os avanços científicos e tecnológicos resultantes do conflito, nomeadamente na metalurgia, na soldadura e na produção dos tubos e componentes mecânicos, permitiram um novo salto evolutivo nas soluções construtivas, tornando também possível atingir novas condições de pressão e temperatura: – Os geradores de vapor em condições “Ultra Supercriticas”.

Sem esse longo e acidentado caminho no desenvolvimento da engenharia aplicada à conceção e dimensionamento das soluções construtivas das caldeiras e dos sistemas de vapor, provavelmente ainda continuaríamos a viver precariamente o dia a dia da agricultura de subsistência, alumiados pela luz trémula do pavio embebido em azeite, limitados no acionamento mecânico à roda hidráulica e ao moinho de vento, usando a tração animal em terra e cruzando à vela os oceanos.

Na verdade, nada do que hoje sustenta a nossa ideia sobre desenvolvimento social, damos por adquirido e certo, teria existido sem o vapor, porque poucas tecnologias desenvolvidas pelo engenho humano fizeram avançar tanto a humanidade como a geração segura, confiável e eficiente do vapor.

E não se pense que isto é simples curiosidade histórica. A atividade industrial ainda é, e arrisco dizer que será por muito tempo, dependente da geração e uso do vapor. Mas com a sua provecta idade, a máquina designada por caldeira pode ser ainda hoje considerada um dispositivo tecnológico? – É claro que não, dirá o tal locutor da TV.

É uma questão de semântica!

Bem mais de 90% das matérias que constituem o plano de estudos de uma licenciatura com mestrado em Engenharia Mecânica, são de utilização necessária no projeto de uma caldeira.

José Guedes,

CEO e Fundador da Energest