A Fundação AEP trouxe à reflexão e debate “Os desafios do Desenvolvimento Sustentável num contexto de crises globais”, no âmbito das CONVERSAS NA FUNDAÇÃO. A sessão que aconteceu no dia 29 de abril, teve lugar durante o almoço, no Restaurante da Fundação, e contou com Jorge Moreira da Silva, Diretor Executivo UNOPS – United Nations Office for Project Services, como orador convidado.
Jorge Moreira da Silva, lidera, na UNOPS, vários parceiros e projetos de ação humanitária, com enfoque no desenvolvimento e construção da paz, no combate às desigualdades sociais e às alterações climáticas, em situações de risco e em contextos complexos do mundo, mediante práticas sustentáveis, temas nos quais é especialista.
O orador convidado iniciou a sua intervenção salientando que um dos problemas que temos é confundir desenvolvimento sustentável com agenda verde. ‘Desenvolvimento sustentável só faz sentido se a componente da proteção ambiental, do desenvolvimento económico, e do desenvolvimento social estiverem alinhados e reforçados’.
Continuou destacando o contexto desafiante que vivemos em termos internacionais. ‘Além de todas as dificuldades com que nos deparamos na área social, como as desigualdades e a pobreza extrema, e na área ambiental com a mudança climática, a degradação e perda da biodiversidade, a escassez e a degradação dos recursos hídricos, a isso somaram-se uma série de crises que se foram reforçando e alimentando. A crise dos refugiados da Síria, a pandemia, a Guerra na Ucrânia, a volatilidade dos preços das matérias-primas e agora o conflito em Gaza. Em cima de uma realidade ambiental trágica, porque estamos numa caminhada inexorável para a mudança climática, em cima da maior perda de biodiversidade, a sexta maior extinção em massa da biodiversidade, somam-se um conjunto de conflitos e instabilidade nos sistemas económicos e financeiros e por isso crises migratórias muito profundas.’
‘Onde está o desenvolvimento sustentável?’
Para Jorge Moreira da Silva a resposta a esta questão é óbvia: ‘estamos fora de pista’. E lembrou: ‘Quando em 2015 foi aprovada a agenda 2030, eram 17 os objetivos, 169 as metas e 232 os indicadores. Quanto mais ajudássemos os outros a combater a pobreza, as alterações climáticas e os conflitos, mais estaríamos alinhados com os objetivos de natureza ética e moral, mas também mais nos estaríamos a proteger para ter um mundo, mais seguro, mais justo e mais verde. Ao olhar para esses objetivos, a verdade é que estamos desalinhados e em muitos casos fora de pista ou em marcha atrás. Não querendo pintar um quadro catastrofista, mas realista perante uma plateia de convidados com responsabilidade na área empresarial, cívica e académica, a verdade é que, no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável só 15% dos 17 objetivos foram cumpridos e, nas metas, temos um retrocesso de 50%’.
Apesar dos países se terem comprometido com a neutralidade carbónica em 2050, Jorge Moreira da Silva recorda que ‘teríamos de ter em 2030 uma redução de 43% das emissões. Em vez disso teremos 11% a mais nas emissões e os governos continuam a dizer que seremos neutrais em 2050. O que eu quero saber é o que vai acontecer nos próximos 5 ou 6 anos. Porque o que não fizermos nesse período vai hipotecar a possibilidade de atingir a neutralidade em 2050’.
‘E onde estamos no financiamento ao desenvolvimento?’
Para o ex-secretário de estado, ‘a pandemia aumentou ainda mais a lacuna de financiamento aos países em desenvolvimento, que já se deparavam com a fome, pobreza extrema, falta de saneamento, falta de água, eletricidade e desigualdades gritantes, foram atirados pela primeira vez em 30 anos para um aumento da pobreza extrema. Com a globalização e políticas de cooperação tínhamos conseguido retirar mil milhões de pessoas da pobreza extremas. E cresceu em 130 milhões de pessoas, que vivem com menos de um dólar por dia.’
‘Vivemos uma crise da biodiversidade’
O Diretor Executivo UNOPS deixa o alerta: ‘A crise da biodiversidade é uma crise silenciosa e que se vem acumulando há muitos anos sem grande progresso. A biodiversidade tem estado em perda a um ritmo cem mil vezes superior às últimas centenas de milhões de anos e é uma crise que não aparece nas notícias. O fim da polinização, a crise das abelhas, o efeito que tem na saúde e perda da biodiversidade, a importância da árvore para fixar os minerais e assegurar a qualidade do solo. São elementos que desaparecem da conversa e o problema não desapareceu’.
‘50% do nosso problema com a mudança climática pode ser resolvido com tecnologias que estão disponíveis’
A comunicação do ex-ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, destacou igualmente o papel da educação na proteção social e na igualdade de oportunidades e o desafio das grandes transições tecnológicas e económicas, evidenciando que ‘Estamos perante uma “revolução” na área digital, energética e alimentar, e não podemos desperdiçar a oportunidade de fazer destas três transições um fator de prosperidade e de sustentabilidade’.
Na área da energia salientou que ‘assistimos a uma revolução tecnológica da energia, mas ainda assim não lhe damos prioridade. Segundo a Agência Internacional de Energia, 50% do nosso problema com a mudança climática pode ser resolvido com tecnologias que estão disponíveis’. Perante o desafio da transição digital, conecta-o com o tema da desigualdade, salientando os 3 mil milhões de pessoas que estão offline, sendo que em muitos casos tem a tecnologia e infraestrutura, mas o preço é proibitivo, sendo este um problema de acesso. Quanto à transição dos sistemas alimentares é uma situação paradoxal, destacou que ‘os sistemas alimentares são essenciais para o emprego, uma vez que mais de 50% do emprego mundial está associado à agricultura e à indústria de transformação alimentar. Mas ao mesmo tempo representam um terço das emissões de gases de efeito de estufa vêm da agricultura e sistemas e alimentares, 80% da perda de biodiversidade está ligada à agricultura e 70% consumo de água está ligado à agricultura. É um tema que é incontornável encontrar soluções’.
É necessário um compromisso de solidariedade que vá além da ajuda pública
Jorge Moreira da Silva deixou um apelo aos empresários ‘é muito importante que exista um forte compromisso de solidariedade que vá além da ajuda pública de desenvolvimento, que envolva mecanismos financeiros e inovadores, como o “blended finance”’. Reforçando que ‘não é apenas assistência e solidariedade, é também uma questão de responsabilidade e de oportunidade. Enquanto houver pobreza no mundo e impactos ambientais trágicos sobre alguns países, nós temos de ajudar. Mas ainda por cima é do nosso interesse, porque quanto mais desenvolvidos forem esses países menos impacto haverá em termos de crises humanitárias. O que se investe em desenvolvimento é o que se pouca em crises humanitárias e em crises migratórias’. Acrescentando que ‘pandemias e crises climáticas extremas afetam toda a gente, independentemente do local onde começam. É do nosso interesse investir nesses países, apoiando na transição económica, social, digital e energética’.
O Ciclo de Conversas da Fundação AEP pretende ser um momento de debate e troca de ideias sobre temas da atualidade com personalidades de referência nacional nas mais diversas áreas de atuação.