Até 2050, as crises hídricas, como inundações, secas e tempestades, poderão deslocar internamente quase 32 milhões de pessoas e obrigar cerca de 11 milhões a ter de atravessar fronteiras, por ano, segundo o pior cenário do estudo “To Understand Climate Mobility, Follow the Water”, realizado pela Boston Consulting Group (BCG). Em 2022, 99% das deslocações relacionadas com catástrofes naturais foram provocadas por eventos relacionados com a água, e esta tendência deverá intensificar-se nas próximas décadas, se não se implementarem ações eficazes para mitigar o impacto das alterações climáticas.
A mobilidade climática, que se traduz no movimento voluntário ou forçado de pessoas, em resposta aos impactos das alterações climáticas, é uma realidade crescente – e a água é a força dominante que a impulsiona, mais do que qualquer outro fator ambiental. Isto ocorre porque as perturbações no ciclo natural da água causadas por secas, tempestades e inundações conduzem à alteração dos padrões hídricos, afetando a qualidade e a quantidade de água, o que suscita instabilidade económica e política, agravando a capacidade da sociedade para atenuar e se adaptar aos efeitos destas mudanças.
“As alterações climáticas, nomeadamente o aumento e a maior variação das temperaturas a nível global, têm afetado principalmente a quantidade, disponibilidade e qualidade da água, gerando impactos económicos, políticos e sociais”, afirma Manuel Luiz, Managing Director e Partner da BCG em Lisboa. “A mobilidade forçada das populações a nível mundial tem como sua principal causa os desastres naturais relacionados com a água, o que reforça a necessidade de acelerar a transição energética e reduzir as emissões de carbono. Além disso, naqueles eventos que não serão possíveis de prevenir, torna-se imperativa a implementação de ações sociais que aliviem o impacto dos desastres hídricos na população.”
CENÁRIOS POSSÍVEIS PARA A EVOLUÇÃO DAS CRISES HÍDRICAS ATÉ 2050
A BCG desenvolveu um modelo orientado pelas mudanças induzidas pelo clima nos padrões de água, para prever o consequente movimento interno e externo de pessoas até 2050, em comparação com os registos de 2020. Para tal, baseou-se em cenários desenvolvidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com base em diferentes níveis de mitigação das emissões de gases com efeito de estufa.
“TAKING THE GREEN ROAD”
Esta trajetória pressupõe esforços de atenuação contínuos para reduzir os gases com efeito de estufa, apostando em níveis elevados de inovação técnica. O cenário enfatiza o respeito pelos limites ambientais e uma melhor gestão dos bens comuns globais, nomeadamente da água. Nesta hipótese, apesar dos esforços de mitigação, ainda se prevê um aumento de cerca de 1% da mobilidade climática interna e de 2,5% da deslocação entre diferentes países (mobilidade climática externa).
“MIDDLE OF THE ROAD”
Este cenário assenta na manutenção do status quo e pressupõe um pico de emissões em 2040, assumindo políticas climáticas globais e avanços tecnológicos moderados. O crescimento dos rendimentos globais será desigual e o ambiente continuará a degradar-se, apesar de ligeiras melhorias. Nesta conjuntura, é expectável um aumento da mobilidade climática interna de aproximadamente 14% e de quase 3% a nível externo.
“TAKING THE HIGHWAY”
Esta projeção traduz-se no pior dos cenários. Pressupõe pouco ou nenhum esforço para a mitigação das emissões, uma elevada dependência dos combustíveis fósseis e avanços bastante limitados na adoção de tecnologias verdes. Haverá um desenvolvimento considerável do capital humano e da tecnologia, e a população deverá crescer. Neste cenário, o aumento da mobilidade climática poderá ascender aos 33% do ponto de vista interno e aos 3% no que respeita a deslocação além-fronteiras.
A nível regional, África, Austrália, Médio Oriente e Europa Central enfrentam o maior risco de aumento de inundações nos três cenários, embora a frequência de tais eventos seja mais provável no cenário mais severo. Quanto ao risco de secas, a Europa Central, a América Latina e o Sudeste Asiático são as mais suscetíveis, mas o risco aumentará para outras regiões na ausência de esforços mais rigorosos de mitigação climática, sublinhando a necessidade urgente de adaptação de estratégias.
ESTRATÉGIAS PARA MITIGAR AS CRISES HÍDRICAS
A BCG sugere três mecanismos para ajudar na mitigação das consequências negativas das alterações climáticas, nomeadamente as crises hídricas e a consequente mobilidade climática.
AUMENTAR A RESILIÊNCIA DA ÁGUA
É fundamental conceber soluções baseadas na natureza e na restauração de infraestruturas existentes para melhorar a capacidade de adaptação a eventos hídricos extremos. Neste contexto, importa juntar esforços para potenciar o acesso a ferramentas e plataformas digitais que possam aumentar a resiliência ao longo da cadeia de valor da água, como tecnologias de captação, armazenamento e distribuição, e de recuperação de águas residuais de baixo custo.
REFORÇAR A RESILIÊNCIA SOCIAL
Além de melhorar a resiliência da água, importa garantir que os seus benefícios sejam duradouros e distribuídos de forma equitativa. Para tal, é necessário juntar diversas entidades, nomeadamente instituições públicas, decisores políticos e comunidades locais, para desenhar políticas e estratégias consistentes que permitam aumentar a adaptabilidade da água e criar confiança nas soluções propostas junto da população.
PREENCHER A LACUNA ENTRE A RESILIÊNCIA DA ÁGUA E A RESILIÊNCIA SOCIAL
A colaboração é a chave para mitigar crises hídricas e a mobilidade climática. Neste sentido, deve haver uma interajuda entre fronteiras organizacionais para reunir ideias, pessoas e recursos, bem como para desenvolver mecanismos de financiamento inovadores, que beneficiem as pessoas deslocadas.
Estudos como estes demonstram a urgência na implementação de ações eficazes para mitigar o impacto das alterações climáticas.