A Indústria surge no contexto da Revolução Industrial, através de uma transição para novos e mais eficientes métodos de produção. Neste contexto, desenvolveram-se Indústrias que obtiveram a sua dimensão através do uso de novos tipos de energia (como o carvão), maquinaria, e mão-de-obra barata. Objetivo: lucro. Esta mudança estrutural da produção mudou o tecido empresarial, mas também a civilização na altura, e conduziu ao mundo em que hoje vivemos.
Muitos dos problemas ambientais de que falamos hoje em dia, começaram a ser formados na Era industrial, porém, o estado do conhecimento não tinha capacidade para antever os impactes que estavam no horizonte das novas atitudes humanas. Imagens de cidades cobertas de poluição atmosférica poderiam ser confundidas com um nevoeiro cerrado, e fenómenos como as chuvas ácidas eram desconhecidos. Apenas quando se começou a sofrer as consequências de todo o dano que o ambiente não tinha capacidade para assimilar – e a vida do Homem foi afetada – é que soou o alerta.
A atividade económica viveu sobre um preço de mercado que não considera o total da destruição necessária para produzir, e muito menos mediu a partir de onde a destruição passa a ser irreversível. Hoje em dia o nosso conhecimento progrediu, já conhecemos melhor os elementos que constituem a nossa realidade, seus limites, suas variáveis e sua importância. Fala-se do risco da depleção de recursos, dos efeitos das alterações climáticas e da importância da biodiversidade e dos serviços do ambiente; e sabe-se que todo este valor, que foi negligenciado, é essencial para um desenvolvimento sustentável.
Em 2015 o acordo de Paris formalizou esta mudança de paradigma ao estabelecer três grandes objetivos globais[i] e por todo o mundo (mas especialmente ao nível europeu), vemos a insurgência de novos instrumentos de política ambiental que ambicionam direcionar o tecido empresarial e o consumo.
Mas como é que as indústrias se podem revolucionar para fazer face a esta nova realidade? Concretamente, como é que as indústrias intensivas em energia – como os setores da refinação, cimento, papel e pasta de papel, siderurgia, química, cerâmica, vidro, cristalaria e cal – podem descarbonizar e atingir metas de neutralidade carbónica, quando têm necessidades energéticas específicas tão elevadas e enraizadas?
Uma avaliação da indústria da cerâmica portuguesa permite-nos esboçar o que foi a conduta empresarial e política nos últimos anos, assim como tecer uma espectativa de futuro.
Comecemos com a identificação de alguns dos fatores mais relevantes. A indústria da cerâmica portuguesa: é especializada e consegue ganhos de eficiência relevantes; tem acesso a matérias-primas nacionais de qualidade e por isso não incorre a despesas ou emissões extraordinárias no seu acesso; tem conseguido reinventar-se em termos de produto, o que proporciona um aumento global da dimensão do mercado; e o setor cerâmico tem forte potencial exportador, pelo que a concorrência é elevada.
No entanto, esta indústria carece de fontes de energia que sejam adequadas e competitivas e há cada vez uma maior pressão por parte da política ambiental. Com custos energéticos que podem superar 30% dos custos de produção e uma necessidade térmica que limita a substituição de energias (eletricidade não pode ser utilizada em toda a atividade), esta indústria enfrenta vários desafios na redução das emissões de CO2 e vê a sua posição competitiva internacional condicionada.
O objetivo acaba por ser a combinação, da manutenção da indústria e da sua prosperidade, com a descarbonização da mesma. Aqui é crucial analisar a evolução entre os tipos dos consumos energéticos e seus preços, em paralelo com a evolução da política ambiental e estratégia empresarial.
Grosso modo, na indústria cerâmica, vemos: transição dos consumos energéticos para tipos de energia menos poluentes (do carvão para o petróleo e depois para o gás natural); redução do total dos consumos energéticos associada a ganhos em termos de eficiência energética; melhoria na evolução dos preços das energias mais relevantes, assim como um melhor posicionamento destes no contexto dos principais concorrentes europeus; mais informação, investigação e parcerias; eliminação das empresas menos eficientes no mercado; e aumento do valor acrescentado bruto (VAB) também associado a desenvolvimentos ao nível de processos e produtos (como economia circular, eco design, reaproveitamento de resíduos, venda de subprodutos, etc.).
No entanto, os custos associados às emissões de CO2 continuam em crescimento (licenças de emissão mais escassas e mais caras), tecnologias/energias menos poluentes ainda não são economicamente eficientes (e só se espera que o sejam perto de 2030) e as empresas portuguesas ainda não conseguiram captar interesse de forma a estabelecer um preço que reflita a qualidade na sua plenitude.
Futuro: como podem as empresas atingir a neutralidade carbónica sem deixar de produzir?
Podemos dizer que o trabalho para a descarbonização já tem vindo a ser realizado (aposta em energias menos poluentes, busca da eficiência energética, ajuste das lógicas de produção, etc.) mas para a meta final a aposta recai sobre desenvolvimentos tecnológicos aliados a um bom enquadramento legislativo.
No caso da cerâmica, falamos então das expectativas para: a parcial eletrificação (cozedura assistida por campos elétricos e secagem sob vácuo); utilização do hidrogénio verde (já se prevê uma injeção na rede de gás natural de 10-15%); e mercados de captura de carbono (através da gestão de florestas como subidouros de carbono ou tecnologias de captura de carbono como a instalação “Orca” na Islândia) para colmatar alguma emissão que se torne irredutível.
Dado o estado destes desenvolvimentos tecnológicos e da ausência de legitimação das capturas de carbono no contexto dos mercados de licenças de emissões, será imprescindível apoiar este tipo de iniciativas e desenvolver um enquadramento legal de modo a atingir um ideal carbónico sem castrar as indústrias, especialmente as intensivas em energia.
Para a cerâmica, a captura de um valor de mercado adicional associado à qualidade do produto parece a investida complementar à prosperidade do setor. Desta forma, a indústria conseguiria uma margem económica que lhe permitiria investir, fazer face aos desafios ambientais, e manter-se no mercado internacional.
[i] limitar o aumento médio da temperatura global bem abaixo dos 2ºC e prosseguir esforços para que se limite a 1,5ºC (com a espectativa de que tal reduziria de forma significativa os riscos e impactes das alterações climáticas); aumentar a capacidade de adaptação aos impactes adversos das alterações climáticas e promover a resiliência climática e o desenvolvimento de baixo carbono; e tornar os fluxos financeiros consistentes com trajetórias de desenvolvimento resilientes e de baixo carbono.
Rita Beles – Mestre em Economia e Gestão do Ambiente
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