O mar sempre me fascinou! Mas depois descobri os rios…
Os rios possuem um encanto muito próprio, que muitas vezes passa despercebido ao olhar mais desatento. Mas eles continuam a correr, indiferentes ao nosso desinteresse e à nossa incúria.
Da imensa água que cobre o nosso planeta, cerca de 1%, é água doce superficial, e desta, apenas uma ínfima parte, menos de 0.5%, se encontra nos rios. E é exatamente sobre esta pequena quantidade de água que exercemos uma enorme pressão.
De costas voltadas
A humanidade evoluiu e prosperou, ao longo de séculos e ao longo dos rios, grandes e pequenos, sempre nas suas margens, já que dependiam das suas águas para sobreviverem. Se inicialmente esta convivência era pacífica, com o crescimento das cidades este equilíbrio desvaneceu. Apesar de escassa, foi nesta mesma água que nos deu de beber que a humanidade sempre despejou os seus dejetos, até chegar a um ponto de rutura. Atualmente, 1 em cada 3 espécies de água doce encontra-se ameaçada de extinção e mais de 80% encontra-se em declínio. Desde 1970, mais de um terço das áreas húmidas de todo o mundo desapareceu e, em Portugal, apenas metade das massas de água foram classificadas com o estado de “bom”.
A relação das populações com os seus rios sempre foi muito estranha. Se por um lado nos deleitamos com os grandes rios, como o Douro ou o Tejo, já os pequenos rios e ribeiras não fazem parte do nosso imaginário de rio. A nossa relação com estas pequenas linhas de água é tão instável que nem mesmo chegamos a um acordo sobre a sua denominação. Numa pequena busca por palavras que se refiram a estas linhas de água, facilmente nos deparamos com dezenas de termos e regionalismos, como regato, riacho, ribeiro, ribeira, córrego, rego entre muitos outros. Nesta relação de “amor/ódio” e numa ânsia de escondermos o que já estragamos, tentamos fazê-los desaparecer. Drenamos campos e outros terrenos, linearizamos rios e ribeiras, desviamos linhas de água, muramos margens ou chegamos mesmo a encanar completamente os nossos rios. E por fim, nas últimas décadas do séc. XX, voltamos definitivamente as costas aos nossos rios, construindo as nossas casas de “costas voltadas” para os mesmos, preferido as vistas para uma rua movimentada do que para um espaço natural, que nós próprios ajudamos a destruir.
Projeto Rios
Felizmente, este comportamento tem vindo a mudar, promovendo alterações muito positivas. Definitivamente, começamos a fazer as pazes com os nossos cursos de água, que pouco a pouco se têm transformado em locais aprazíveis, se bem que estudos recentes indicam que esta melhoria estagnou na década de 2010. Para tal, muito tem contribuído o aumento da literacia e da consciência ambiental dos cidadãos, promovida em grande parte por projetos ambientais tais como o Projeto Rios, iniciativa promovida pela ASPEA e que visa a sensibilização para a importância dos rios e a promoção da cidadania ambiental. Este projeto tem como objetivo principal a monitorização e conservação de rios e áreas adjacentes em Portugal e Espanha, promovendo a participação ativa das comunidades locais, especialmente estudantes de todos os níveis de ensino, na gestão ambientalmente responsável dos recursos hídricos. Este projeto apresenta algumas características-chave, nomeadamente:
A Monitorização Ambiental: o Projeto Rios envolve a monitorização regular de rios, riachos e ribeiras, com o objetivo de recolher dados sobre a qualidade da água, biodiversidade aquática, saúde do ecossistema ribeirinho e outras informações relevantes. Esses dados são recolhidos por voluntários, muitas vezes estudantes e membros da comunidade local, treinados para este fim.
A Educação Ambiental: uma parte fundamental do projeto é a educação ambiental. Ao envolver estudantes e membros da comunidade na recolha de dados e na análise dos resultados, o Projeto Rios promove a literacia sobre a importância dos rios e a necessidade da sua proteção.
A Participação Social: o Projeto Rios é construído sobre o princípio da participação social. Incentivando as pessoas a envolverem-se ativamente na gestão e conservação dos rios em suas áreas locais e promovendo a cidadania ambiental.
A Colaboração com Autoridades e Organizações: em muitos casos, o Projeto Rios colabora com autoridades locais, organizações não-governamentais e cientistas para compartilhar dados e trabalhar em conjunto para abordar questões relacionadas com os rios.
A Advocacia Ambiental: além de monitorizar os rios, o Projeto Rios também desempenha um papel na advocacia ambiental, sensibilizando para as ameaças que os rios enfrentam e promovendo ações para a sua proteção.
A Criação de Redes: o Projeto Rios promove a criação de redes de voluntários e grupos locais em várias regiões, o que pode facilitar a partilha de conhecimentos e experiências, bem como a implementação de práticas de gestão ambientalmente responsável dos recursos hídricos em diferentes áreas.
Em resumo, o Projeto Rios é uma iniciativa importante que combina monitorização ambiental, educação, participação social e advocacia ambiental para promover a conservação dos rios e a gestão ambientalmente responsável dos recursos hídricos em Portugal e Espanha. Demonstra como a ação local pode desempenhar um papel fundamental na promoção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e na proteção do ambiente.
Os Rios e os ODS
“Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são a nossa visão comum para a Humanidade e um contrato social entre os líderes mundiais e os povos. São uma lista das coisas a fazer em nome dos povos e do planeta e um plano para o sucesso”. Ban Ki-moon (antigo Secretário-Geral das Nações Unidas)
Os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – estabelecidos pelas Nações Unidas, definem uma série de metas, bastante ambiciosas, que visam a erradicação da pobreza, das desigualdades, bem como a proteção do Planeta. O tema ÁGUA encontra um enfoque central, já que a sua disponibilidade e qualidade é garante da sobrevivência humana.
Água Limpa e Saneamento (ODS 6), Vida na Água (ODS 14), Cidades e Comunidades Sustentáveis (ODS 11) e Vida Terrestre (ODS 15), são exemplos de indicadores onde a água está omnipresente. No entanto, e não obstante a importância dada à água como um todo, e numa leitura muito pessoal deste documento, os rios não têm o destaque que mereciam. Enquanto ecossistemas com um equilíbrio tão delicado e tão sujeitos às diferentes pressões humanas, era justo que os mesmos não se encontrassem “escondidos” no ODS 15 “Proteger a Vida terrestre” (no original “Life on Earth”), cujo nome nos remete para outro tipo de ecossistemas. Só após uma leitura mais atenta do documento nos conseguimos aperceber da sua presença no sub-indicador 15.1 e, ainda de forma mais subtil, no 15.8 onde se inclui a problemática das espécies invasoras. Tal confusão torna-se ainda mais acentuada na versão original do documento, em inglês, onde facilmente somos levados a incluir estes ecossistemas do objetivo 14 – “Life below water”, traduzido para português de forma uma pouco mais clara como “Proteger a Vida Marinha” . Até o seu ícone é enganador, com água e um peixe, levando o leitor mais incauto a incluir aqui os ecossistemas dulciaquícolas.
Em suma, e sendo os rios elos essenciais na rede dos ODS, mereciam um lugar de maior destaque nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Para alcançar um futuro ambientalmente responsável e socialmente justo, precisamos reconhecer a importância crítica dos rios e tomar medidas decisivas para protegê-los. Isso inclui a conservação de ecossistemas aquáticos, a conservação da biodiversidade, o controlo de espécies invasoras, a promoção da gestão ambientalmente responsável dos recursos hídricos, a redução da poluição a fim de promover o seu restauro ecológico nesta Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas. Ao fazer isso, estaremos a contribuir para um mundo melhor, não apenas para nós mesmos, mas para todas as formas de vida que dependem da vitalidade dos rios.
Mónica Maia-Mendes | SPECO / ASPEA
Ecóloga, Docente, Presidente do Conselho Regional Norte da Ordem dos Biólogos de 2017 a 2021
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